Espetáculo, não é só o que se passa no palco.
Pensar o contrário, seria minimizar a importância do muito que se passa na envolvente, na sala, ou nos bastidores.
Centrando-me nos dois primeiros, devo começar por dizer que não é habitual poder associar a eventos da Fundação Calouste Gulbenkian aspetos menos positivos, seja no campo da logística, seja no da organização.
Duvidas não me restam, assim, de que, para eles se manifestarem, foi necessária a infeliz associação da Fundação às ações de rentrée politica da Câmara Municipal de Lisboa, mais propriamente à "Lisboa na Rua 2017":
Desta vez, no entanto, Lisboa não ficou "na rua",
mas, literalmente, "na relva".
Refiro-me à apresentação da "Carmina Burana" no passado dia 9 de Setembro, no Vale do Silêncio, aos Olivais, em que nenhum assento digno desse nome foi disponibilizado aos espetadores - mesmo aos enfermos ou mais idosos -; nem foi, previamente, anunciado, que assim iria acontecer.
A brochura da Fundação dizia que "
Pelo terceiro ano consecutivo, a Orquestra Gulbenkian reforça o compromisso de sair da sua casa em busca de novos públicos no contexto mais informal, levando composições de confirmado apelo universal a habitar espaços menos habituais de Lisboa, enquanto se afirma como um elemento vivo no quotidiano da cidade (...), propõem a conhecedores e curiosos o contacto próximo, no cenário convidativo do Parque do Vale do Silêncio (...)".
Por seu turno, a brochura da CML anunciava, mais singelamente, que "
Neste Lisboa na Rua apresentamos ao ar livre um concerto de excelência que poderia acontecer em qualquer uma das grandes salas de espetáculos do mundo: (...)"
Destes dois pequenos trechos poder-se-ia, então, concluir que o evento teria lugar num aprazível espaço ao ar livre, em contexto informal, um evento digno de uma grande sala de espetáculos.
Esqueceram-se, no entanto, ambas as brochuras de referir que o lugar "aprazível" era um parque quase votado ao abandono, onde não faltam folhas velhas e lixo, devendo os espetadores jazer num relvado aparado mas quase careca de relva, tendo como alternativa ficar sentados numa espécie de caixotes de cartão, acessíveis, unicamente, a quem se dispusesse a "secar" durante mais de um quarto de hora numa interminável fila.
Isto depois de aqueles que não tinham acesso fácil através do metropolitano ou habitavam as redondezas terem passado tempos infinitos a poluir o ar e a gastar combustível na procura vã, para estacionar, de um inexistente lugar.
No Sábado 9 de Setembro, foi isto o que aconteceu.
O estado em que se encontra o "lugar aprazível" está, em parte, documentado nas imagens que, acima, vos tenho vindo a mostrar.
Para se chegar ao relvado, há que, em qualquer ponto, atravessar a mata, onde, às folhas secas há vários dias amontoadas, se junta a habitual e contemporânea lixarada de noitadas ao relento à base de fast-food para partilhar.
De um lado, a lenta construção de um recinto desportivo; do outro, escolióticas balizas sem rede, que talvez um dia terão servido para jogar.
Bem exemplificativo do quase abandono a que o Parque está votado, é o estado em que se encontram as tabuletas. O espaço parece estar abrangido por um qualquer regime legal; mas, após ter consultado todas elas, continuei sem conseguir apurar qual...
Chegados ao recinto do espetáculo, um relvado que mais parece um campo pelado,
com gigantescas falhas de relva e muito pouco verde onde os incautos se pudessem sentar.
Relva verde, verde, só mesmo à noite,
à luz dos holofotes da mesma côr !
Por altura do ensaio geral, ninguém, ainda, imaginava que iriam ser distribuídos "caixotes" de cartão para os espetadores se sentarem. Vi, assim, alguns moradores das redondezas partir e voltar com cadeiras desmontáveis, provavelmente trazidas de suas casas. Outros, mais prevenidos ou mais habituados a estas andanças, precaveram-se com mantas e artigos similares.
No entanto, ainda poucos dias antes tinha eu estado, no Campo Grande, a assistir a um concerto de Jazz, integrado no mesmo "Festival"; e havia lá uma razoável centena de cadeiras em plástico disponível para quem tivesse de se sentar, ou quisesse fazê-lo. Lembro-me, também, de, anos atrás, um outro concerto da Fundação Gubenkian, no Terreiro do Paço, onde contei cerca de 1200 cadeiras, nas quais se sentou mais de metade da assistência; pelo menos, daquela que, com antecedência, no local se quis apresentar.
Por que razão, então, não terão os Olivais e a "Carmina Burana" tido direito a igual tratamento ?
Terá alguém, entretanto furtado as cadeiras ??
Uma vez mais sem qualquer aviso, quem se preparava para assistir ao espetáculo lá acabou por descobrir, escondido ao lado do palco e à direita de quem para ele estava está virado, um pequeno recinto repleto de caixas, das quais sete apressadas e pouco bem encaradas pessoas afanosamente retiravam estruturas de cartão às quais davam a forma de quase paralelipípedos sobre os quais os espetadores, após exasperante "seca" numa longa fila, acabariam por se sentar.
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Mas não são os concertos da Gulbenkian para todas as pessoas de todas as idades?
Não alardeia a Câmara Municipal um suposto e constante cuidado com a gestão das acessibilidades?
Como entender, então, que, igualmente para todos, independentemente da idade e da capacidade de locomoção ou de sustentação, apenas tenham sido disponibilizados assentos deste tipo?
Como explicar!
Ou é tudo a fingir?
"Olhe, Avó, sente-se lá nisso aí, que é o que há!
Ou, então, voltamos para casa, que não podemos fazer mais nada!
Oh, Henrique, podes ir tu com ela?
Gostava, mesmo, de ver isto..."
E lá volta o Henrique a casa,
com a mãe da sogra, mas sem a "Carmina".
Que tristeza!
Que tristeza, Fundação!
Entretanto, junto ao palco, os que podiam enfileiravam-se numa espera de mais de um quarto de hora.
Para muitos, uma espera que se seguia a bastante mais de um outro quarto de hora à procura de um inexistente lugar para estacionar.
Porque, no calor da guerra - evidentemente perdida... - contra o automóvel, a nossa Querida Edilidade parece empenhar-se, agora, em promover eventos em locais onde, muito simplesmente, não há lugares de estacionamento disponíveis. Isto, claro está, independentemente da distância a que os interessados em assistir ao espetáculo possam residir, ou da possibilidade de acesso com recurso ao transporte público por parte dos mesmos.
"OLIVAIS PRECISA DE TODOS"...
MAS, POR MUITO LONGE QUE MOREM,
NÃO TRAGAM O CARRUNCHO, POR FAVOR!
Assim parecem implorar as pessoas que, por toda a alfacinha Cidade,
de braços sempre cruzados,
parecem expessar uma indómita vontade de inertes se deixar ficar!
Fica um pedido à Fundação Calouste Gulbenkian:
é excelente a ideia de saír à rua.
Mas escolham, por favor, a quem dão o braço nessa saída!
Aqui, deram um valente tropeção...
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