domingo, 6 de setembro de 2015


NUNES CORRÊA


in memoriam

Tinha as portas abertas na Rua Augusta há mais de século e meio.

Dois pisos forrados a madeira clara, onde se podia encontrar roupa clássica para homem, corte impecável, cores sóbrias, requintados padrões e... tudo a um preço acessível, desafiando o presente e o futuro do comércio local com permanentes promoções.

Camisas Oxford, pulovers, fatos diversos, sapatos clássicos, de vela, mocassins... um pouco de tudo.

Também fornecia fatos por medida, sapatos, gravatas, tudo com um toque de bom gosto e uma qualidade constantes.

Frequentada por uma exigente clientela que sempre conseguiu fidelizar, apresentava uma oferta muito diversificada, na grande maioria com marca própria.

Escrupulosamente arrumada, a loja proporcionava um atendimento atencioso, eficiente e cortês, sempre pronto a facilitar a transação e muito atento no conciliar dos interesses da Empresa com os a clientela.



A procura era muita, o movimento intenso.

Um estabelecimento quase sempre cheio,
mas que nunca aceitou massificar-se.

A loja era bem bonita, e a roupa também.

Era bom, andar por lá...


Agora...  a Nunes Correia fechou.
De vez.
Foi despejada.

Porquê?  Ninguém parece saber ao certo.

Dívidas?  Efeito dos preços muito baixos, talvez.

Sabe-se, apenas, que morreu mais um ex-libris da nossa já tão depauperada Baixa alfacinha.

Uns papéis mentirosos por lá afixados falam de remodelação;  mas o edital do despejo não deixa dúvidas quanto ao que, na verdade, aconteceu.


Numa montra, alguém deixou uns pares de sapatos, testemunho simbólico e silencioso de uma tradição que, diariamente, vai soçobrando perante os novos "valores" da nossa sociedade.

Aqui e ali, quase a cada dia que passa e nas mais diversas áreas, Lisboa vai perdendo as suas referências, inplacavelmente substituídas, numa senda de predadora globalização cultural e económica, por indiferenciadas marcas e símbolos de uma sempre renovada geração.

É verdade que andam a "modernizar" muito a Baixa de Lisboa...

Mas até que ponto estará a resultar, enquanto fórmula mágica para fazer com que as pessoas queiram ir viver para lá?

Deve cambiare tutto per non cambiare niente.
G. Tomasi de Lampedusa, in "Il Gattopardo"


Para quem lá trabalhou,
para quem frequentou,
para quem conheceu,
para quem ficou à porta,
aqui fica o que hoje resta da
antiga casa de Jacinto Nunes Corrêa.


Ad perpetuam rei memoriam

Este local situa-se na área geográfica de intervenção da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior.


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Alguns Links:
Nunes Corrêa - Operação de Sale & Leaseback
Blog dos Alfaiates - A Casa do Fato

22 comentários:

  1. É uma pena pela loja, mas o atendimento foi sempre longe de ser atencioso e agradável. Eu acabei por entrar lá só raras vezes e só porque tinham pequenos artigos especiais que só se encontravam lá e que são produzidas em Portugal mesmo. Isso foi depois de ter levado um grupo de turistas extrangeiros e a nossa pequena cadela à loja. Veio logo o detetive da loja com uma velocidade furiosa impressionante para nos expulsar com a cachorinha como se tivessemos ter intenção de roubar algo. Em Lisboa só sobraram poucas lojas com esta atitude, e mesmo assim nenhuma se atreveria a ousar tamanha confrontação com um cliente por nada.
    Ao ver agora que a Nunes Correa fechou para sempre não pude evitar um certo contentamento. Não faço questão nenhuma que essas facetas comportamentais da sociedade Portuguesa sobrevivam numa Europa moderna.
    Segundo: Lampedusa escreveu em Italiano oficial (lá normalmente é cambiar, não "cangiar"). O que o Principe di Salina disse em Il Gattopardo, é "deve cambiare tutto per non cambiare niente". Esattamente o que os Nunes Correa deveriam ter feito para poder continuar outro século: adaptar o modelo de negócio: ser gentil com pessoas que falam Português do Brasil e vêm em bicicleta, aceitar animais de estimação, e múltiples outros exemplos para atrair clientes que não são Portugueses da gema, sobretudo estando numa rua cheia de turistas extrangeiros.

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    1. Quanto ao Nunes Corrêa, apenas posso dizer que no melhor pano cai a nódoa.
      De facto, a minha experiência sempre foi amplamente positiva, como positiva parece ter sido a da generalidade dos clientes, a fazer fé, quer nos muitos comentários que encontrei noutros sítios da Internet, quer na quantidade de pessoas que, de acordo com a estatística do Blogger, diariamente procuram "Nunes Corrêa" no Google e consultam a página que afixei.
      Muito obrigado pelo seu comentário, bem como pela retificação da citação de Lampedusa, que já processei.

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  2. É uma pena eu ter sido um cliente há mais de 10 anos, a cada ano eu ir duas ou três vezes e sempre foi uma obrigação. Era um lugar muito charmoso, não sei para onde vou agora comprar sapatos, roupas e andar sempre foi minha loja referência. Basta fazer o tipo certo, mas nunca foram dependentes não sei se a minha condição seria espanhol. Dito isto, é lamentável que a loja está fechada para mim foi um marco.

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    1. Muito obrigado pelo seu comentário. Foi, de facto, algo inesperado e não desejado por uma clientela sempre fiel.

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  3. Ia agora pesquisar o site da Nunes Correa. Encontrei o blog, e a informação de que a loja estava encerrada. Este negócio era gerido pela Vigorbanis Investimentos Imobiliários. Na gestão do negócio, estava um senhor belga que tive oportunidade de conhecer em 2006. Era um homem com visão, que pretendia e conseguiu internacionalizar a marca, exportando com sucesso calçado para o difícil mercado Inglês, Bélgica, Holanda, etc.,assente numa excelente relação preço / qualidade. Este binómio permitiu alavancar o processo de internacionalização, de um produto com qualidade, fabricado em Portugal, na fábrica que detinham na Arrifana. Tanto quanto soube, o senhor faleceu em 2010. Talvez a partir daí, e com a crise, as coisas tenham ficado diferentes. O edfício era também um investimento imobiliário, e não devia ser pequeno. Menor poder de compra da classe média, subida dos custos de produção, crise internacional. Não fico surpreendido, mas é uma pena. Tinham produto de qualidade.

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  4. lamento saber. já há algum tempo que não vou à baixa e talvez por essa razão não me tinha apercebido.
    comprei alguma roupa nesta loja e achei sempre que havia qualidade e preço justo.
    fica uma dúvida: não sei se encerrou por falta de negócio ou se a pressão imobiliária não terá sido mais forte…

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    1. Obrigado pelo comentário. Lamento não dispor de informação que contribua para esclarecer a sua dúvida. Algum outro leitor terá dados relevantes sobre este assunto que queira partilhar ?

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    2. Bom dia,
      Infelizmente a causa que levou ao encerramento da histórica casa nada teve a ver com o negócio em si, mas com a gestão do mesmo. Apurou-se que os responsáveis já vinham a delapidar as contas da sociedade há algum tempo, tendo fornecedores, empregados e clientes ficado com prejuízos elevados. É de lamentar, efectivamente.

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  5. Triste notícia. Cliente habitual da casa vejo Lisboa a ser tomada por indianos com as suas lojas que nada vendem e os franchising. Há poucos dias, no dia em que soube também do estado do CC Palladium ( portas fechadas e vazio) soube ao comentar com a assistente da camisaria O Balão, que a mesma também vai fechar no final do ano uma vez que o prédio foi vendido ao proprietário do hotel que será instalado no edifício da Lanalgo. Lisboa pura e simplesmente está em risco de desaparecer e ser substituída por uma demasiadamente plástica e tão multicultural ao ponto de não ter cultura própria.

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  6. A moda dos hotéis na Baixa de Lisboa, os enormes paquetes que, quase diariamente, despejam turistas para dentro dos ruidosos Tuk-Tuk e a progressiva descaracterização do comércio local não contribuirão, certamente, para fixar residentes naquela zona, Claro está que o mercado de turismo não chega para todos e, muito possivelmente, daqui a uma meia dúzia de anos andarei por lá a fotografar hotéis devolutos. Quanto ao Balão, espero bem que encerrem, apenas, essa loja, mantendo as restantes e funcionamento. Pelo sim, pelo não, já lá me abasteci para os próximos tempos...

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  7. Boa tarde caríssimos,

    De três anos para cá que frequentava a Nunes Correa, um local requintado, charmoso para uma clientela exigente..
    Sou particularmente apreciador dos sapatos da marca. Ao procurar como já era habitual por mais algum modelo oxford ou outro, nada encontrei senão este blogue que ainda tenta preservar a "memoria" deste espaço na rua Augusta.

    Tenho muita pena que a loja tenha fechado, não há outra igual em toda a baixa lisboeta ( a cortesia, o atendimento, e acima de tudo a qualidade dos produtos).. Já fazia planos de dar la um saltinho na proxima semana!

    Na verdade agr não sei onde comprar sapatos...

    Estou a ver que terei de habituar-me a "bagatela" do costume espalhada pela cidade...

    Tks pelo blog, Abc,.

    Francisco.

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  8. Obrigado pelo seu contributo, bem como pelas palavras de apreço dirigidas ao Misérias de Lisboa.
    São, de facto, várias dezenas aqueles que, diariamente, consultam a página relativa ao Nunes Corrêa, e, como pode ver-se, a generalidade dos comentários lastimam, como também faz, o fim inglório de uma Casa outrora marcada pela tradição.

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  9. Lamentável uma loja destas acabar assim. Tenho pena pois como já foi dito,em relação à qualidade, preço, atendimento e ambiente já não há muitos semelhantes.

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  10. Boa tarde.
    Realmente é triste ver ícones da nossa cidade chegarem a este ponto...E o que eu gostava dessa loja. Não havia Natal que não fosse à Baixa e não passásse por lá... Enfim....
    Creio que pouco posso dizer para além do que já foi dito tirando que, para os interessados e antigos clientes, como eu, a Nunes Corrêa abriu uma loja online e estão no facebook.
    Deixo-vos o link www.nunescorrea1856.com

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  11. O que se está a passar com Lisboa? As outras capitais europeias têm lojas , comércio com 100 anos e tvz mais.Outros países têm indústrias com 100 anos ou mais , por cá tudo se foi.Ficam as imitações e as tontarias de curto prazo. Demasiados fundos a cuspir para o ar .Gente que se vende por poucas moedas.Sociedade low cost.Nos hábitos e nas mentes.

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  12. De facto nos últimos meses tenho tentado passar por la todos os fins de semana para ver se já reabriram, mas hoje ao tentar mostrat a um amigo onde comprar bons sapatos a um preço baixo, não so descobri que no site da marca já não há sapatos, mas que a loja da Rua Augusta não volta.

    Vou usar os poucos pares de sapatos Nunes Correia que ainda tenho com muita estima.

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  13. De facto uma pena, Boa qualidade a preços absolutamente excepcionais (inc ajustes), com tudo o que se precisa num único lugar! À muitos anos que comprava lá tudo o que precisava mas de facto já lá não ia à muito tempo. Recentemente fui lá e então lá percebi, da pior forma, que o nunes e corres já não existe e no seu lugar agora uma loja de cosméticos.

    Bem sei que este post é já antigo e que eu venho bem atrasado, mas não queria deixar de perguntar se alguem poderá indicar alternativas, quer sejam alfaiates ou lojas semelhantes?

    Agradeço desde já qualquer informação. Obg,

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  14. É muito bom saber que tantas pessoas compartilham da minha admiração e estima pela loja e a atmosfera que a envolvia. Descobri a Nunes Correa por acaso, passeando pela minha primeira vez naquelas imediações, em 2012. Ainda hoje uso os ternos que lá comprei. Mas qual não foi a minha decepção e tristeza quando em 2015 lá voltei para repor o meu estoque de camisas e ternos (já com minha lista em mãos) e a encontrei fechada.
    Parabéns por essa bela homenagem que você faz às memórias deste lugar. Obrigado também aos comentadores que vão agregando informações que nos ajudam a entender o por quê do fim de um empreendimento que agradou a tantos.

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