"A mais vasta, nobre e sumptuosa das que pertenceram a mosteiros em Lisboa" *)
Falar, no Misérias de Lisboa, de uma das nossas igrejas mais antigas, pode, até, parecer heresia.
Falar, no Misérias de Lisboa, de uma das nossas igrejas mais antigas, pode, até, parecer heresia.
Mas reflitamos um pouco sobre o assunto, desapaixonadamente...
Durante a maior parte dos 56 anos que nos separam do fatídico 13 de Agosto de 1959 em que ardeu, a igreja esteve encerrada, sendo o culto assegurado na sacristia.
Após a instalação de uma cobertura em betão e metal para substituir a que o fogo consumira, parece apenas ter havido dinheiro para pintar algumas paredes.
No entanto, abriu, mesmo assim, ao culto, em 1994, a todos os visitantes mostrando um cenário verdadeiramente apocalíptico, sem que, no meio daquela miséria toda, tivesse perdido a grandiosidade. De alguma forma, talvez ela tenha, até, saído beneficiada.
Desde então, o marketing eclesiástico tem funcionado em pleno, como pode comprovar-se pelas opiniões dos milhares de devotos e de turistas que, todos os anos, visitam aquela que a publicidade anuncia como "uma igreja única no mundo pela sua história, pela memória de glórias e desgraças, e por permanecer com as marcas do fogo" - referência que pode ler-se no tríptico de tamanho A4 disponível, por 1€, na própria Igreja.
Algo surpreendentemente, esta mensagem de "igreja única no mundo" parece estar a funcionar, a julgar pelo considerável número de velinhas que ardem em alguns altares.
Ora, é bem verdade que, após transpor a singeleza da fachada, não nos deixam indiferentes a dimensão do Templo e a beleza dos mármores, realçada pelo contraste rude com as marcas do fogo, que lhe dão "um charme todo especial", como um viajante escreveu,
Mas não é menos verdade que praticamente qualquer igreja, como qualquer monumento, é "única no mundo pela sua história" e "pela memória de glórias e desgraças".
Em suma, a Igreja de São Domingos, em Lisboa, só é, verdadeiramente, mais única do que todas as outras porque... ainda por lá ficou a maior parte das marcas do fogo.
Mas, se é este o principal critério, Lisboa tem, também, um outro monumento que quase posso garantir que é único no mundo: um palácio onde os governos tomam posse e recebem os mais altos dignitários de outros países, todos eles entrando pela suntuosa - e mal cuidada - fachada principal, ignorando que a tardoz foi consumida pelo fogo e ficou, também há já muitos anos... assim.
É caso para dizer que talvez consigam aumentar o número de visitantes das exposições do Palácio da Ajuda publicitando-o como único no mundo porque... ardeu; e aumentar, assim, as receitas até dar para, pelo menos, umas obrazitas à portuguesa, para disfarçar. Já se viu por aí tanto disparate...
Celebrado neste monumento à sua enorme força destruidora, o fogo foi implacável, e os danos que infligiu a obras de tamanha antiguidade e riqueza são algo que nem a mão dos mais dotados artistas poderá, alguma vez, reeditar.
Mas isso não impede que, sem lhe tirar o atual encanto, algo se faça no sentido de recuperar um pouco do velho templo, além da cobertura e de algumas paredes.
Como a deixaram, fica sempre, em quem visita a Igreja de São Domingos, o travo amargo do nosso bem conhecido e proverbial desleixo nacional.
Este local situa-se na área geográfica de intervenção da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior.
*) Pinho Leal, in "Portugal Antigo e Moderno" - Mattos, Moreira & Companhia - Lisboa, 1874 - , vol.IV, pág.245
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Alguns Links:
Igreja de São Domingos (Wikipedia)
Convento de São Domingos de Lisboa (Wikipedia)
Convento de São Domingos de Lisboa (Monumentos)
Igreja de São Domingos: Avaliações de Viajantes (Tripadvisor)
Não me parece que tenha sido desleixo mas sim uma opção. Conheço-a desde criança, devo ter chegado a ir antes do incêndio a minha madrinha levava-me lá, e tenho ideia que muito cedo ouvi que as marcas do fogo ficariam, o que, para mim, até ajuda à reflexão, independentemente de quem lá vai ser crente ou não.
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